O mundo do skate é marcado periodicamente por um documentário de peso, é o caso de Dirty Money e Vida Sobre Rodas, mas aparentemente o que promete marcar desta vez é o documentário O SKT Me Levou, com o relato de skatistas de diversos cantos do Brasil e de diferentes modalidades.
Trocamos uma ideia com o famoso skatista, ex-sócio da Lifestyle e hoje um grande cineasta, Lecuk Ishida, o assunto desta vez foi seu documentário que está prestes a ser lançado “O SKT Me Levou”.
Procuramos não cortar muito, pois apesar de ser um papo longo, o conteúdo é incrível.
Você pode falar um pouco sobre o que se trata o documentário O SKT Me Levou?
É um documentário que trata sobre a trajetória do Rogério Mancha, que é o primeiro técnico da seleção brasileira de street skate e que trouxe nossas medalhas na primeira olimpíada que houve a participação do skate no mundo, então eu queria fazer esse registro desse momento histórico dentro do skate e através da vida do Rogério Mancha, que é cheia de altos e baixos.
Nele a gente revisita depoimentos de outras pessoas para falar um pouquinho da construção da identidade de uma pessoa que anda de skate, e porque eu falo da construção da identidade? Porque eu acho que a participação do skate na vida destas pessoas é mais que uma atividade esportiva ou uma atividade de lazer, na realidade ela é a prática do estilo de vida que ele promove, várias visões e várias transformações internas de quem pratica esse “esporte”, eu acho que o skate ele cria uma simbiose entre a pessoa comum e o life style do skate.
O skate é uma ferramenta, que a gente quando começa a utilizar, ela cria o próprio homem. Eu acho que alguns teóricos dizem que o homem cria a ferramenta e a ferramenta recria o homem, e eu acredito que isso ocorra dentro do skate, o skate faz com que a gente ande rápido e ande de lado, e então perceba todas as coisas da cidade inteira toda de lado, isso acaba mudando a perspectiva do ser humano que sempre andou de frente.
Enquanto a maioria da população está fugindo dos obstáculos a gente está à procura de obstáculo, acho que todo mundo acredita que obstáculo é um problema e a gente tem um obstáculo como um amigo onde a gente pode aprender, a gente começa a criar um modo de pensar em que o problema não é o obstáculo de parar, mas sim de te impulsionar.
Tem muitas coisas que o skate faz com que as pessoas que são praticantes mudem realmente a sua perspectiva de vida, que faz essa construção da identidade ser tão significativa para mim.
Eu me lembro que quando comecei a praticar skate eu queria um lugar no mundo que não existia naquela época, o que eu quero dizer com isso? Que naquela época, você ser de algum um modo rebelde, de algum modo contraventor, em algum sentido, ou de algum modo querer gritar para o mundo “rock’n roll!” ou querer se expressar de um modo que fosse autêntico seu, todo mundo, ou a grande maioria, a normalidade da sociedade te oprimia.
É como se eu gritasse por um espaço de liberdade, então é esse lugar que eu acho que o skate, ele toma uma posição. Então a prática do skate, e não só o carrinho, mas o modo da gente se vestir, o modo de a gente andar, o modo de a gente se relacionar com a cidade, o modo de agente relacionar com muitas coisas, me faz ser uma pessoa mais autêntica e quando eu me torno autêntico eu me torno inteiro e quando eu me torno inteiro, eu começo a ser mais relevante no mundo para eu mesmo, não talvez para os outros, mas eu começo a ser mais relevante para eu mesmo, e aí eu me coloco no mundo de um jeito mais feliz, é basicamente isso que o documentário trata.
Como surgiu a inspiração para produzir O SKT Me Levou?
É óbvio que eu sempre quis fazer um documentário de skate, uma vez que eu me tornei cineasta.
Fazer um documentário de skate, para mim era uma coisa de muita responsabilidade, eu acho que primeiro era importante ler o que é um documentário e o que é contar uma história que vai deixar um legado gravado para posteridade.
Eu gosto muito dos documentários que já existem de skate, mas eu acho que os documentários de skate estão muito ligado as memórias das pessoas, e que as memórias das pessoas não são exatamente a história.
Esse documentário que eu fiz não se trata da história, mas se trata da memória de alguém sobre algum acontecimento, porque a história é a média das maiorias das histórias contadas durante um período, agora o que é memória e o que é a história é o que eu quero dividir.
A memória é o que eu acredito que é o que eu vivi naquele momento e a realidade vivida é muito subjetiva, cada um cria uma realidade como quer.
Eu queria contar realmente através de algumas memórias este momento que eu acredito que seja um momento histórico, que seja do momento de ascensão e de resistência do skate nacional até chegar aonde a gente chegou hoje, que são as olimpíadas, e eu precisava de uma história bonita para eu colocar as pessoas dentro dessa história principalmente as pessoas que não entendem de skate e não conhece o skate.
A inspiração surgiu quando eu estava lendo um livro do Marshall Mc Lorran que é um primatólogo, que fala sobre o estudo da evolução da psique humana e ele fala exatamente essa frase que o homem inventa a ferramenta e a ferramenta reinventa o homem.
Quando antigamente na pré-história eu cavava com as mãos, eu tinha uma certa limitação, aí quando eu invento a pá, essa pá melhora essa função e eu libero as outras pessoas que cavavam junto comigo a não cavar e então eu sozinho cavo por 10 pessoas e aí quando eu me libero dessa função as outras pessoas que vão sendo liberadas mudam o modo de pensar e a corporabilidade delas.
Toda vez que eu invento uma ferramenta, como o celular por exemplo, eu me libero de outras coisas, com o celular por exemplo eu me liberto de ter memória, eu não preciso mais da memória porque a memória tá no meu celular, eu não preciso mais lembrar de números, de endereços ou mesmo lembrar de muitas coisas, pois hoje em dia o meu cérebro não precisa mais fazer isso, eu tenho uma máquina que faz isso por mim e eu mudo, a minha psique muda, o meu modo de pensar, o meu modo de agir com o mundo muda.
Se a pessoa inventa uma ferramenta tipo o carro, a escada rolante ou elevador, eu começo a não andar mais e aí preciso fazer outras coisas, para por exemplo não ficar gordo, então eu que andava todo dia 10km para ir para escola(como todo o avô fala), e invento uma dessas coisas, não preciso mais andar e me torno gordo e preciso mudar o meu modo físico(e tenho mudado).
Hoje a gente não precisa comer carne, a gente não precisa fazer muitas coisas, hoje em dia o corpo não precisa porque a gente não anda, então o homem inventa a ferramenta e a ferramenta reinventa o homem e é por isso que quando a gente inventa o skate, o skate nos reinventa e coloca a gente nesse exercício de mudança psíquica que faz com que a gente seja um ser totalmente diferente da normalidade das pessoas que não andam de skate, então a inspiração surgiu dessa leitura deste livro.
Tem alguma história que te chamou mais atenção?
O skate ele sempre sofreu muito preconceito e muito desentendimento de muitas pessoas, principalmente das pessoas que não são praticantes, e uma das histórias que mais me chamou atenção é a história do Gemas dos dois gêmeos que são video makers do skate.
Essa história está no documentário, e a gente conta ele de um jeito muito resumido, mas dá para entender muito bem o que é, o que pode fazer o preconceito com o skate.
É uma história que se trata de uma relação entre os filhos e o pai, é óbvio que o pai ama os filhos, e por conta desse amor ele acredita que está fazendo o bem, ele acredita que está fazendo pelo bem dos filhos em afastar eles do skate, então “por amor eu tiro o skate dos meus filhos porque eu não entendo o skate“, essa é uma história muito bonita que vale a pena prestar atenção no documentário.
Quem está envolvido na produção deste doc?
Eu procurei chamar muitos skatistas, eu acho que 90% de toda a crew da minha equipe eram skatistas ou praticantes de skate, não necessariamente profissionais do skate, mas todo mundo entendia ou tinha o skate no pé, isso com certeza faz muita diferença.
Algumas dessas pessoas são muito importantes, como por exemplo o Jun Matsui que era da equipe 775 na década de 80 e andava muito de skate profissional e junto com Cupim, Ari Bason, que eram do time deles, o skate leva ele para o mundo e ele se torna um dos maiores tatuadores do mundo, ele vai assinar os gráficos do documentário.
Tem o Zé Gonzales, ele se considera e sempre foi skatista, e eu também me considero dessa maneira, a gente andava junto de skate desde o começo da década de 80. E ele assina toda trilha do documentário, já foi Dj do Planet Hemp, hoje em dia produtor, carreira nacional, é produtor de muitos profissionais.
Tem o Ivan Shupikov, tem os Gemas, resumidamente tem muitos skatistas bons e bacanas que fizeram parte deste documentário.
Qual foi o seu objetivo com O SKT Me Levou?
O objetivo desse DOC realmente é fazer o registro desse momento, eu acho importante que as pessoas que não entendem de skate, entendam os valores do skate.
Muitas pessoas ficaram espantadas ao ver a Rayssa Leal brincando e dançando enquanto estava correndo uma final Olímpica, e muitas pessoas também ficaram espantadas quando a outra quando menina acertou a manobra e todos ficaram batendo palmas para a oponente, ficaram incentivando o oponente, e as pessoas não entendem que isso é verdade, que isso é real do skate.
Então para as pessoas entenderem um pouquinho mais destes valores de construção do skate que eu eu quis fazer esse documentário o objetivo é exatamente esclarecer para as pessoas que não andam de skate, como são verdadeiras todas essas manifestações e expressões do skate.
Depois de toda essa experiência com O SKT Me Levou, o que mais o skate te ensinou?
O skate ele ainda esta se movendo, esta se transformando, ele ainda está se desenvolvendo e eu por minha vez também estou.
Você se colocar em movimento perante a vida e perante as coisas, eu acho que é o mais importante, entender para que lado esse movimento está me levando é o mais importante de tudo, entender qual é o movimento que está acontecendo, que está me levando a fluir na vida.
Basicamente isso que o skate, a prática diária do skate e mesmo observar a prática do skate, acaba me ensinando, o documentário é realmente só mais um ponto, é mais um registro, e quando a gente define um registro, nós definimos alguma coisa, e acabamos re-significando alguma coisa, mas ao mesmo tempo a gente limita e o skate não tem limite, o próprio documentário como formato deve ter apenas algumas horas ou um tempo determinado e por isso não dá para colocar 500 pessoas falando, tem uma limitação, e tudo que tem um limite é incompleto.
O skate é muito mais que esse pano de depoimentos de pessoas queridas que eu peguei, ele é mais do que a história do Mancha, ele é mais do que qualquer coisa, o skate não é de ninguém, o skate não tem propriedade, o skate não tem forma, ele não tem formato e a gente vai mudando com o tempo, ele não tem regra, a gente vai formando as regras, entender que o skate é um ser mutante e infinito que vai se colocando no mundo para se atualizar, é uma das coisas mais importantes que devemos saber sobre o skate.
Tem previsão de lançamento para O SKT Me Levou?
Data de lançamento do SKT Me Levou, ele provavelmente vai ser dentro da mostra internacional de cinema, que vai acontecer em outubro, você vai ficar sabendo a data mais específica, mais pra frente e a gente já tem uma data de lançamento mesmo, dentro da Cinemateca, vai ter uma exposição, acho que no hall da Cinemateca e se não me engano dia 4 de novembro vai ter uma sala de projeção só com o SKT Me Levou para o público em aberto para a gente lançar o documentário.
Para o Instagram oficial do documentário O Skate Me Levou clique aqui.
Para o Making of do Doc clique aqui.
Instagram Lecuk: @lecuk
Produção: Bobó Filmes
Patrocínio: Banco Votorantim
Distribuição: O2 Play Filmes
Agradecendo a ajuda de Sid Pics para a elaboração da matéria e Helio Greco na revisão.
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